O Serviço de Receita Federal dos Estados Unidos (IRS, na sigla em inglês) anunciou uma nova interpretação da chamada Emenda Johnson, permitindo que igrejas e outras instituições religiosas se manifestem politicamente durante cultos ou por meio de seus canais tradicionais de comunicação, sem que isso seja considerado uma violação da regra — desde que essas manifestações estejam fundamentadas na fé.
A mudança foi revelada em um documento judicial apresentado nesta semana, como parte de um acordo proposto em um processo movido por duas igrejas do Texas (Sand Springs Church e First Baptist Church) e pela organização National Religious Broadcasters (NRB). Os autores da ação alegam que a proibição de manifestações políticas por instituições religiosas viola a liberdade de expressão e de religião garantidas pela Primeira Emenda da Constituição dos EUA.
A Emenda Johnson, em vigor desde 1954, proíbe organizações sem fins lucrativos, como igrejas, de se envolverem em campanhas políticas, sob pena de perderem sua isenção fiscal. No entanto, o IRS afirmou que, quando uma igreja “de boa-fé fala à sua congregação, por meio de seus canais habituais de comunicação, sobre questões políticas à luz da fé religiosa, durante os cultos”, isso não configura participação em campanha eleitoral.
Segundo o IRS, esse tipo de manifestação seria mais parecido com uma “conversa em família” do que com uma campanha política formal. Por isso, não justificaria punições ou perda de isenção fiscal. Ainda assim, o acordo proposto se aplica apenas às duas igrejas envolvidas no processo e não altera oficialmente a legislação vigente. Ambas as partes concordaram em arcar com seus próprios custos legais e não poderão recorrer da decisão.
Especialistas alertam que, na prática, essa nova interpretação pode não representar uma grande mudança. Sam Brunson, professor de direito tributário da Universidade Loyola de Chicago, afirma que a Emenda Johnson raramente foi aplicada de forma rigorosa. “Isso não representa uma mudança real nos 70 anos em que a Emenda Johnson está em vigor”, disse. Apenas uma igreja perdeu sua isenção fiscal por motivos políticos — em 1992, após publicar anúncios contra o então candidato Bill Clinton.
Durante seu primeiro mandato, o presidente Donald Trump já havia tentado enfraquecer a Emenda Johnson. Agora, em seu segundo mandato, Trump continua a pressionar por mais liberdade para que líderes religiosos se expressem politicamente sem medo de punições fiscais. Ele já declarou que pretende “destruir totalmente” a Emenda Johnson, e essa nova postura do IRS parece alinhada com essa promessa.
Grupos conservadores, como a Alliance Defending Freedom (ADF), organizaram por anos eventos como o “Pulpit Freedom Sunday”, incentivando pastores a desafiar a Emenda Johnson com declarações políticas nos púlpitos. No entanto, essas ações não resultaram em mudanças legais, e a ADF deixou de promover essas iniciativas.
O processo movido pelas igrejas do Texas também argumenta que outras organizações sem fins lucrativos, como jornais, têm permissão para endossar candidatos sem perder benefícios fiscais — algo que, segundo os autores, revela um tratamento desigual.
Por outro lado, grupos como o Americans United for Separation of Church and State criticaram a proposta de acordo, afirmando que ela pode abrir precedentes perigosos. “Enfraquecer essa lei transformaria igrejas e ONGs em comitês políticos, inundando nossas eleições com ainda mais dinheiro obscuro”, disse a organização em nota.
Além disso, pesquisas mostram que a maioria dos americanos — inclusive os religiosos — é contra a ideia de igrejas endossarem candidatos políticos mantendo sua isenção fiscal. Segundo uma análise do Public Religion Research Institute (PRRI) com dados de 2023, a maioria dos fiéis de todas as principais tradições religiosas se opõe à prática. Isso inclui 62% dos evangélicos brancos, 59% dos protestantes negros, 77% dos protestantes brancos não evangélicos, 79% dos católicos brancos, 78% dos católicos hispânicos, 72% dos protestantes hispânicos e 77% dos judeus americanos.
Uma pesquisa do Pew Research Center de 2019 também mostrou que 76% dos americanos e 70% dos cristãos acreditam que líderes religiosos não devem endossar candidatos a partir do púlpito. Quase dois terços dos entrevistados disseram preferir que igrejas fiquem fora da política.
Agora, resta saber se o juiz responsável pelo caso aprovará o acordo e se essa nova interpretação do IRS terá impacto duradouro no comportamento das igrejas nos Estados Unidos.
Foto: Charlie Neibergall/AP
Fonte: NPR