Por Peter Wade – Rolling Stone
O presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, Mike Johnson, tem repetido declarações enganosas ao responsabilizar os democratas pela paralisação do governo federal, alegando que o partido quer destinar recursos públicos para custear serviços de saúde a imigrantes sem documentação. No entanto, especialistas e documentos oficiais contradizem essa versão.
Durante entrevista ao programa Face the Nation, da CBS, no último domingo, Johnson afirmou que os democratas “querem gastar US$ 1,5 trilhão e devolver o dinheiro dos contribuintes para financiar cuidados de saúde para imigrantes ilegais”. Ele indicou que essa proposta estaria descrita na página 57, seção 2141, do projeto apresentado pelos democratas, disponível no site oficial da presidência da Câmara.
A apresentadora Margaret Brennan, no entanto, contestou a afirmação, dizendo que o trecho citado não diz explicitamente o que Johnson alega. A seção mencionada trata da revogação de mudanças no Medicaid promovidas pelo governo Trump e pela lei republicana conhecida como One Big Beautiful Bill Act (OBBBA).
Ao ser pressionado, Johnson admitiu que suas críticas não se limitam a imigrantes sem documentação, mas também incluem estrangeiros com residência legal nos EUA, uma distinção importante, segundo especialistas.
Larry Levitt, vice-presidente executivo de políticas de saúde da organização sem fins lucrativos KFF, disse à Associated Press que a narrativa de que os democratas querem oferecer saúde a imigrantes indocumentados é incorreta. “É um argumento político apelativo, mas não corresponde à realidade das mudanças que os democratas querem reverter”, afirmou.
Drishti Pillai, diretora de políticas de saúde para imigrantes da KFF, reforçou que imigrantes sem documentação não têm direito a cobertura de saúde financiada pelo governo federal, como o Medicaid ou os subsídios do Affordable Care Act (ACA). Segundo ela, a OBBBA não alterou essa regra, e a revogação de seus dispositivos também não mudaria isso.
Além disso, a OBBBA prevê que, a partir de 2026, mesmo imigrantes legalmente presentes, como refugiados, solicitantes de asilo e vítimas de tráfico humano, perderão o acesso ao Medicaid. Estima-se que cerca de 1,4 milhão de pessoas nessas condições serão afetadas, incluindo residentes permanentes legais e cidadãos de países como Cuba, Haiti, Ilhas Marshall, Micronésia e Palau. Os democratas querem reverter essa medida.
Em outra entrevista, desta vez ao programa Meet the Press, da NBC, Johnson afirmou que os democratas querem que hospitais sejam reembolsados com valores mais altos por atender imigrantes sem documentação em emergências. No entanto, essa assistência é garantida por uma lei da era Reagan, o Emergency Medical Treatment and Labor Act, que obriga hospitais a atender qualquer pessoa em situação de emergência, independentemente de seu status migratório.
Com a OBBBA, os reembolsos federais para esse tipo de atendimento serão reduzidos, mas os hospitais continuarão obrigados a prestar o serviço. Leonardo Cuello, professor da Universidade de Georgetown, explicou que a mudança não afeta a cobertura dos imigrantes, apenas reduz a parte que o governo federal paga aos estados pelos atendimentos. “É apenas um corte no financiamento federal, não uma mudança na obrigação de atendimento”, disse.
Johnson também acusou os democratas de quererem eliminar US$ 50 bilhões destinados a hospitais rurais, mas esse valor cobre apenas um terço das perdas que essas instituições tiveram com os cortes no Medicaid promovidos pela OBBBA. Segundo especialistas, restaurar integralmente o financiamento do Medicaid seria mais eficaz para apoiar os hospitais do que o fundo temporário proposto pelos republicanos.
Outro ponto de divergência é a manutenção dos subsídios federais para quem compra planos de saúde pelo mercado do ACA. Os democratas querem mantê-los, enquanto os republicanos defendem sua eliminação. Caso isso ocorra, os prêmios dos planos podem mais que dobrar, e até 10 milhões de pessoas podem perder o seguro de saúde, segundo estimativa do Escritório de Orçamento do Congresso (CBO), órgão não partidário.
Com a paralisação do governo se aproximando da segunda semana, uma pesquisa do Washington Post mostra que 47% dos americanos culpam Trump e os republicanos pela crise, enquanto apenas 30% responsabilizam os democratas do Congresso.
Foto: Nathan Posner/Getty Images
Fonte: Rolling Stone